aqui, pode riscar-se aqui, aqui começam tu e os teus olhos?, não sei. tenho mais dúvidas do que certezas, mas tanto aquelas quanto estas não as posso sofrer demasiado. o excesso de umas ou outras é o mesmo mal, um aperto. não devemos meter-nos em apertos, é suficiente a condição nossa, portanto precisa. talvez seja desnecessário enunciar isto, não sei, ainda assim arrisco, a segurança mínima antes do que o que nos transcende, o registo provisório, o saldo negativo, a segunda língua, a terceira metade, a terceira mão, as conjecturas, a plausibilidade, as probabilidades e o cálculo delas. agora, também pode riscar-se agora, agora lanço uma mão, não sei de ti, procuro-te. nunca te vi. toco um espelho, nada. s. d’o.
devia ser possível escrever sem voz, sem sobre, e mesmo assim cortar o silêncio, cortá-lo por dentro, como se corta a luz. bastar-me-ia esta inutilidade para compreender o manuseamento da hipótese do corpo espontâneo, assim como do corpo combinado, nada perder, nada ganhar, transferir para a tardança o que já não pode ser, o que sempre pôde ser, tudo porque podemos morrer outra vez, precisamente outra vez, embora sem a mesma vontade. e depois?, há sempre depois, uma voz de modo diferente para cortar, para continuar a cortar até dizer-se chega, por não haver mais matéria que não seja o silêncio. então, que fazer?, cortar o silêncio também, não deter ou sossegar a lâmina, prosseguir até que deus se renda e deixe os mortos continuarem enterrados, com o peso que lhes foi atribuído. antes do corte, depois do corte, a imputação única das mulheres e dos homens, sob a qual ninguém espera a remissão da identidade, porque as palavras foram adiantadas ao que pode ser. tudo, alguém há-de dizer, ou nada. s. d’o.
acho que não posso mas posso. o regime é de premências, de como as coisas são no tempo próprio das coisas. para não variar, deserto da campanha, vou comer uma sandes de leitão. tratar o corpo, primeiro, não alimentar ilusões, ao mesmo tempo. o que é que isto interessa?, pouco, se algo mais do que nada. na verdade ando a aprender a descobrir a lealdade nas interrogações, nos problemas e nos traumas que as interrogações combinam. não tenho ilusões, não se trata de trocar quem seja o senhor presidente da câmara municipal.
na cidade não ouço as pronúncias, não observo os remendos da boca. sou lento porém na mesma urgência do músculo. pertenço à tribo dos que demoram tudo, inclusive a febre, o suor, o sémen. chamo um táxi, esta já não é a minha safra. hei-de chegar tarde, mas hei-de chegar, é o que importa.
escrevo a medo, não com medo ou por medo, escrevo esta declaração a medo. sei-a um modo de apelo, sem certeza. há muito tempo que ando a tentar endurecer o miocárdio. nada mais desejo declarar agora. s. d’o.
zumbe o tempo, a perseguição. sou uma câmara animal e o espólio de falência que me acompanha. e agora? talvez devesse chamar poder à incapacidade de actualidade que sofro, porém não quero. basta-me demorar, sentir o arrasto pelo qual sou. se em mim é cada vez mais ontem, se sou sem dialéctica para adiantamento, sou simplesmente assim, não sou por já ter sido ou por ter-me rendido. s. d’o.
aqui, até onde não há onde, declaro-te a ferida é uma arma. s. d’o. __________ “até onde não há onde” é o princípio de uma frase do sermão de nossa senhora do ó, escrito por antónio vieira.