retrovisor
devia ser possível escrever sem voz, sem sobre,
e mesmo assim cortar o silêncio, cortá-lo por dentro,
como se corta a luz. bastar-me-ia esta inutilidade
para compreender o manuseamento da hipótese do corpo
espontâneo, assim como do corpo combinado, nada perder,
nada ganhar, transferir para a tardança o que já não pode
ser, o que sempre pôde ser, tudo porque podemos morrer
outra vez, precisamente outra vez, embora sem a mesma vontade.
e depois?, há sempre depois, uma voz de modo diferente
para cortar, para continuar a cortar até dizer-se chega,
por não haver mais matéria que não seja o silêncio. então,
que fazer?, cortar o silêncio também, não deter ou sossegar
a lâmina, prosseguir até que deus se renda e deixe os mortos
continuarem enterrados, com o peso que lhes foi atribuído.
antes do corte, depois do corte, a imputação única das mulheres
e dos homens, sob a qual ninguém espera a remissão da identidade,
porque as palavras foram adiantadas ao que pode ser. tudo,
alguém há-de dizer, ou nada. s. d’o.