28.11.08
que isso foi antes. se podemos reescrever as consequências? podemos.
e depois?, que contar?, que contar dos canais?, que contar das cortes?,
que contar das constelações?, que contar dos canis?, que contar das nódoas
da toalha sobre a mesa?, que contar das manhãs e das horas de burro?,
que contar das manchas na parede?, que contar?, que contar mais?, percebes? s. d’o.
26.11.08
a boca, o sentido da boca, e o espanto. surpreende que haja quem queira
continuar a suportar a angústia. num revólver há psicologia suficiente
para resolver qualquer problema de foro pessoal.
agora o jornal está aberto na secção dos classificados, com anúncios
de prestação de intimidade, ao domícilio, se essa for a vontade do freguês.
poderia tentar-se uma teoria dos desastres, poderia tentar-se. um número
de telefone constitui a primeira distância, é fácil vencê-la. mas para quê?
que isto é a morte, a tua morte também. participa. que desta morte retiro
os meus cuidados, talvez a tua confissão. que isto é a morte, a autêntica,
não a de bergman, a preto e branco. não vamos jogar xadrez, não vamos ver filmes
antigos, dos anos cinquenta, no cinema. o que for, o que tiver que ser, será
a cores e em carne presente. discutir calibres não é possível. a oferta é limitada,
há apenas um revólver. terá que chegar para os dois. s. d’o.
24.11.08
de ti tenho o embaraço do anúncio da continuação. não tenho bandeira
para entregar-te, não tenho elogio a fazer-te.
que um dia foi assim, é o que sei. entre os muros, o mesmo mundo,
estávamos nós dois. chegavam notícias de créditos solventes, mistérios,
e aproximavam-se volumes de luz. os outros falavam da crise corrente,
nós estávamos tranquilos. a culpa inspirava-nos. deixámo-nos ficar
a contemplar sem cuidado a incandescência que brotava de cima,
de um dos lugares de ícaro. sentíamos o corpo a descobrir a geografia
íntima, a senda dos perdidos, a sombra. chegou tarde o aviso, chegou tarde
a confiança. desabou um regime que parecia feito para durar, que exigia
o que não tínhamos e que tínhamos esperado. desabou. e nós continuámos
à espera da continuação, sem desejo de renúncia, a rirmos da crise que acontecia,
que nos acontecia também, a beber cerveja e a acompanhar as notícias devolvidas
pela televisão. teríamos saído de entre os muros, baixado à rua, combinando-nos
com outros, se não estivesse tanto frio. mas o inverno é mesmo assim. só nós
é que sabemos. s. d’o.
14.11.08
apreciada, a morte aconselha objectos imediatos. que isto é o prenúncio
de algo mais do que a sentença. o trajecto do fumo, a garganta seca
de onde a respiração escapa para encontrar-se com a noite, a noite longe.
uma chávena derrubada, o café vertido sobre o chão, perseguido
por uma mão antes quieta. toda a morte foi atrás, acompanhou o gesto.
a mão ainda suada. um cigarro apagado na outra mão, a cinza pendente,
amortecida na pele do braço da cadeira. um corpo aí jacente.
a sombra deste estado projectada na parede. e o televisor ligado.
que isto, uma campanha de vozes, é a morte. um dois, experiência,
um dois, um dois, entra também no cenário, acamando sobre as vozes
do reality show em exibição no televisor. o mundo poderia acabar assim,
um dois, experiência, um dois, um dois, um dois três, como acabou,
sem amén, sem sémen, sem depois. s. d’o.
12.11.08
que ao escrever mostras o mundo, a perda do espaço
e a fronteira que nunca mais começa, que nunca mais acaba,
porque é, porque és tu, sempre tu, a palavra à frente,
o precipício. s. d’o.
10.11.08
falta-me equador. descontam-me as horas. que ao cair
sobre mim descubro o chão. julgo que sou uma anomalia
irredutível e sem reparação. que do que eu digo, quando digo,
não digo o fim ou a morte. são sobretudo as vozes na minha morada.
a aproximação, o atrito, a terapia dos falcões. se perguntarem,
responder-lhes-ei que gostaria de ter morrido naquela noite. s. d’o.
2004/2024 - serôdio d’o. & 3ás (escritos e subscritos por © sérgio faria).