de ti tenho o embaraço do anúncio da continuação. não tenho bandeira
para entregar-te, não tenho elogio a fazer-te.
que um dia foi assim, é o que sei. entre os muros, o mesmo mundo,
estávamos nós dois. chegavam notícias de créditos solventes, mistérios,
e aproximavam-se volumes de luz. os outros falavam da crise corrente,
nós estávamos tranquilos. a culpa inspirava-nos. deixámo-nos ficar
a contemplar sem cuidado a incandescência que brotava de cima,
de um dos lugares de ícaro. sentíamos o corpo a descobrir a geografia
íntima, a senda dos perdidos, a sombra. chegou tarde o aviso, chegou tarde
a confiança. desabou um regime que parecia feito para durar, que exigia
o que não tínhamos e que tínhamos esperado. desabou. e nós continuámos
à espera da continuação, sem desejo de renúncia, a rirmos da crise que acontecia,
que nos acontecia também, a beber cerveja e a acompanhar as notícias devolvidas
pela televisão. teríamos saído de entre os muros, baixado à rua, combinando-nos
com outros, se não estivesse tanto frio. mas o inverno é mesmo assim. só nós
é que sabemos. s. d’o.