31.10.08
são os hinos do nosso reino, que lavram a sedição
e o consolo das armas. que do rio inacabado continuam
as albas, as ruínas, o abrigo, o requiem e todos os instantâneos.
que a pátria, que o mar incerto, as tremuras e os voos,
que as levadas, o pátio, as fragas abertas, as metástases,
assim como os actos de caça, o mesmo. tudo o que fica?, ossos.
depois vêm os cães regalar-se. tudo o que fica é a sua herança. s. d’o.
29.10.08
que os mortos sorriem o tamanho do céu.
que aqui acaba o mundo e começa outro nome. que acontecem
naus que caminham habitantes que navegam naus que. náufragos,
eles e o que é, as coisas também, com eles. s. d’o.
27.10.08
que do tempo tinha a eternidade, o pão escrito para todas as demoras.
com os pés descalços, para os manifestar nus, subiu a calçada
do combro, para descer a rua do poço dos negros, arrastando consigo
ainda mais tempo. o território crescia, acompanhando-lhe os passos.
nunca havia passado naquela calçada, tão pouco a havia prometido pisar.
tarde, exangue,
seguia-a uma esperança que, por aquele caminho, comia-lhe a vida
e as esperas. que esta província tem os seus senhores e os seus jogos
combinados. cuidou de, com um gesto de começo, separar ali a geografia
das consoantes e, preparando-se para a falência da tarde, continuou
a subir a calçada do combro, prometendo ainda sombras atrás de si
e a rua do poço dos negros. s. d’o.
17.10.08
que a medida das tuas mãos aperta fôlegos e deixa marcas.
que há abrigos para os teus esforços e para os esforçados,
cárceres também. o que vejo?, vejo o silêncio estreitado,
fechado nas paredes e na súplica contra as tuas mãos. vejo
a cal caída sobre o corpo, o teu, o meu, nunca o nosso.
não quero ver mais, sinto a cegueira desta vontade. não quero ver
mais. que, na sua medida, as tuas mãos tenham-me íntimo e perdido.
bastam-me as tuas mãos. não quero ver mais. s. d’o.
15.10.08
que seja um beijo, não interessa. os pés estão assentes no chão
e no ritmo. agora é a hora do não, da dança do não. embora pareça estar
a crescer devagar, muito devagar, a noite já não é criança. o frio acrescentou-a,
cresceu-a. a noite maior, a noite está maior. julgo que esta disciplina
é o que quero declarar. s. d’o.
13.10.08
terra levantada e húmus
estendeu a mão devagar, até tocar a folha de papel. depois pegou o lápis que estava sobre a folha e escreveu a totalidade, a totalidade apenas, sublinhou com força a totalidade apenas, confere harmonia às coisas. depois pousou o lápis, recolheu discretamente a mão e afastou-se. agora, no meio da sala está uma folha de papel com um apontamento escrito a traço de grafite, justamente do lápis que está colocado ao lado da folha, e somente isso é visível. ao retirar a sua mão da cena ele pretendeu significar o trajecto entre totalidade e harmonia e ao mesmo tempo iludir a diferença entre motivo e consequência. sob a harmonia proporcionada pela totalidade há sempre algo escondido, não visível, que dispõe e ordena as coisas conforme um programa não necessariamente enunciado ou percebido. daí que as contradições e as ilusões sustentem e tornem suportável a vida. se se distingue, a plenitude distingue-se por ser a imaginação do mesmo num outro plano, o da harmonia sem apagamentos. o amor é outra coisa, da qual não deve falar-se neste momento. s. d’o.
3.10.08
carta dos breves, iv
da lista longa de regressos escolhi o que implicava a manobra mais óbvia, não voltar. s. d’o.
1.10.08
o tempo
às vezes tenho a consciência de não ter o tempo
todo e de o retorno não ser eterno. como os frutos
maduros, a falência é uma função do calendário
que não consigo. falha-me o καιρος.
quebrado, sofro como os outros. e a confiança
perde-me por eu ser inocente. ainda terei o tempo? s. d’o.
2004/2024 - serôdio d’o. & 3ás (escritos e subscritos por © sérgio faria).