antes abundavam palavras como patomima e arlequim e o corpo resumia-se preciso nas mãos, no seu produto e no engano em que essas mesmas mãos ainda se confirmavam corpo. s. d’o.
nova idade, ix. por mais intensos que sejam os ritmos e os trânsitos na modernidade, qualquer tempo é ainda e simultaneamente um lugar e uma distância. 3.
se o ser fosse, apenas fosse, como uma natureza morta é, por que é que se perguntaria?, por que é que admitiria o lapso, mais do que a oportunidade, de o seu preenchimento realizar-se por algo diferente de si?, a seriedade. a resposta talvez seja esta: porque o ser é sobre um plano e, aí, porque perscruta a respectiva posição, acontece como sobressalto e dúvida, acontece interrogação, interrogador e interrogado. s. d’o.
nova idade, viii. há uma constante nos diversos lugares-tempos - a transcendência imanente - que produz um halo simbólico sobre o que é. na modernidade, porém, esse halo é caleidoscópico e produz um efeito catalítico, acelerando o tempo sobre o lugar. 3.
podemos descobrir os resíduos do que passou ainda sobre as tábuas. é por isso a urgência do último leilão e das cinzas, a queima das provas. provas para quê?, se são motivo da dissolução do momento, do eterno instante presente. começou a vertigem! e a memória entorpece o ritmo, a descoberta, a novidade.
porque não há retorno, escreve-se, grava-se. é um modo de provocar o esquecimento, mas é também um modo de permitir que, depois, alguém coloque as mãos nas cinzas e reinaugure o que foi. s. d’o.
nova idade, vii. em qualquer lugar-tempo novo há chão e há caminhos. às vezes escolhe-se, ir por ali, ir por acolá, ficar ou regressar. e acontece o encontro, a fuga, a saudade. 3.
pés cansados e sujos, a felicidade clandestina. sábado.
dorso nu. don’t ask me. traços de cocaína sobre um espelho. cartas sobre a mesa. festa. batota.
coisas e vozes. uma ecografia de dor. uma ecografia de sombra. zarzuela. mazurca. sarabanda. melancolia. orgia de sentidos, sopros. espectros.
entretanto, há quem comece a discutir a taxa de spread do financiamento contraído para aquisição de habitação própria. há vidro que se transforma em água. o gin esgota-se. a vida, como a noite, também.
já não há esperança. já não há tabaco. apenas vozes. continuam. s. d’o.
procurou a página centoesetentaeum, marcou-a. feito isto, levantou-se.
afastou-se e olhou para o relógio sobre o calendário, o calendário sobre o atlas. a sobreposição acontecia numa secretária que, sobre o tampo, nada mais tinha.
lá fora a temperatura era morna. caía a tarde.
caminhou até à varanda. queria fugir daqueles agrimensores de tempo, o relógio, o calendário, o atlas. todos os ritmos presos, como numa carta de caligrafia irrepreensível, pareciam vertê-lo na loucura.
ninguém estava junto dele. mas ele falou. quando morrer, digo-o agora, quero ir para cima, não para baixo. desejo ser cinza, mais breve, pó, largado. não quero ser amortalhado e baixado ao sepulcro.
e permaneceu na varanda. sons trigueiros vinham de longe. ouviu ainda o rugido de uma fera. estava na hora. o circo começava a ser desmantelado. s. d’o.
se o ser fosse apenas o corpo de um lugar, o volume volante sobre um plano complexo, ordenado por três eixos, o ser seria ausente das coordenadas e as coordenadas não seriam. ou seriam a irredutível transparência do vazio preenchido, a sequência das componentes da totalidade, sem forma. seriam o desenho do solo virgem, vertigem. seriam as marcas invisíveis e divisíveis da clareira. s. d’o.
lugares do corpo, i. onde habita o corpo?, se é sobre um suporte derrubado, como se fosse uma folha de outono caída sobre outra folha caída, caída sobre outra folha caída, caída sobre outra folha caída, caída sobre outra folha caída, caída sobre outra folha caída, caída... até à dissolução. 3.
nova idade, iv. não obstante seja um lugar-tempo - um domínio, portanto -, a modernidade rasga-se por dentro através dos seus processos e respectivo ritmo. é esse rasgo o indício tanto da sua concretização quanto da sua falência. 3.
nova idade, iii. depois do princípio, é a sensação de nostalgia nunca dissoluta que impede a criação da novidade, como que obrigando a uma ausência permanente e presente no mesmo lugar-tempo novo. 3.
antes era o mesmo ritmo, o mesmo sopro, um contínuo entre o interior e o exterior, sem contaminação, apenas silêncio, apenas dança, contorno orgânico sem corpo. s. d’o.
nova idade, ii. a modernidade é um lugar-tempo que se nutre do respectivo horizonte, facto que tende a produzir nesse contexto uma disposição à auto-superação. no entanto, aí, como em qualquer outro lugar-tempo, o fulgor do princípio esgota-se no impulso original. aquando a repetição, a sequência não é exactamente a mesma, porquanto se (re)começa já depois do começo. portanto, sem regressar ao momento primordial, anterior ao princípio. é por isso que a modernidade, enquanto paradigma epocal, não obstante a sua animação elíptica, se reedita e confirma na respectiva ultrapassagem nunca consumada, como se fosse um domínio em regime running to stand still, um cativeiro do qual não se pode sair. 3.