31.1.06
nova idade, i. uma das tensões da equação da modernidade assenta no jogo pendular entre caso e padrão. ou seja, um dos problemas da modernidade é a conciliação entre a variedade caleidoscópica das singularidades e a medida exemplar da comunidade, uma matriz ditada para aferir desvios e pertenças, comunhões. 3.
30.1.06
pretérito mais do que perfeito, i
antes existia uma mecânica
para os olhos que já não há. s. d’o.
28.1.06
& mundos, xii. o mundo reinaugura-se no mistério da quarta dimensão do seu plano, o tempo. ou seja, o mundo recomeça tanto pelo esquecimento quanto pela novidade, os termos que animam a equação da memória. 3.
27.1.06
para além da culpa e da inocência
já tarde ignoro o olhar. não lamento.
comecei ainda o súbdito lamentava
a sorte de acordar todos os dias
sob o regime das coisas e dos casos.
nada dizia ele sobre as casas. talvez
porque era numa casa que também
habitava.
vivia ele, o súbdito, para acontecer
conforme o precipício da vontade
de outros. parecia-lhe essa vontade
precipício mais certo, seguro e suficiente.
nunca se levantou por temer abandonar
o seu lugar. havia uma ordem e ele era
nela, ditado, regular, confesso.
acreditava que havia um dono daquele
chão, daquele fundo, assim como
cria haver um senhor magnânimo
no céu que não lançava os dados, mas
dominava o verbo. tudo, o que era e
acontecia, era e acontecia porque
tinha que ser e acontecer e era e acontecia
disposto por um querer tanto alheio
quanto superior. até que...
um dia começou a chover e ele assustou-se
ao descobrir, pela chuva, que existia aquilo
a que se chama interrogações e fluxos,
hipótese de manobra entre lugares. o que
era súbdito, afinal, podia dizer-se ao contrário.
já tarde ignoro o olhar. não lamento. s. d’o.
26.1.06
& mundos, xi. a experiência continuada do mundo suscita uma interrogação, onde é que começa o mundo? não há resposta definitiva para essa interrogação. por isso a interrogação tende a repetir-se, produzindo uma necessidade de origem que opera como dispositivo simultaneamente motriz e de abertura do mundo. 3.
25.1.06
contra o horizonte
para tudo pode uma página. um mapa
também.
tela em sangue, é o quadrado perfeito
da matéria. há ainda as tarefas da palavra,
o gesto em que tornam, porque são astros,
limites, que lhe abrem o lugar
e, no seu movimento, o pisam.
pó sobre a luz. é difícil descobrir aí
o versículo justo, a manta que devolve
e guarda todas as coisas. talvez não exista
esse versículo e a dificuldade seja
a sua busca, não a luz apertada pelo pó.
concerto, concreto, aflito, continua-lhe
a violência, a lateral que fulmina o poema.
porque o problema da distância é semelhante
ao problema do pão, um horizonte. e contra ele
apenas o alcance das mãos. s. d’o.
24.1.06
& mundos, x. o mundo, como é, é também o princípio da sua diferença. 3.
23.1.06
exercício de comparação, vii
ninguém como eu, como tu,
como ele, como nós, como vós,
como eles e como os outros.
ninguém. s. d’o.
21.1.06
& mundos, ix. no mundo, deus, como é, é uma forma cómica, não uma forma cósmica. 3.
20.1.06
19.1.06
& mundos, viii. a experiência da exterioridade, por ser uma experiência no mundo, é uma experiência duplamente interior. dentro do mundo. e dentro de quem experimenta, dentro de uma distância particular às coisas e aos outros. 3.
18.1.06
exercício de comparação, v
como um terrorista coca-cola
que não lê a bíblia, que não se perdoa, e
defende a alternativa mosaica,
a culpa constante da grei. s. d’o.
17.1.06
& mundos, vii. no mundo, a interioridade, necessariamente processada por cada sujeito, não é o avesso da exterioridade, mas uma expressão singular, vivida, enérgica, da distância a essa exterioridade, a distância às coisas e aos outros. 3.
16.1.06
exercício de comparação, iv
a tua mãe, como a mãe
de penteu, acredita num
deus em que tu não acreditas.
mas tu és mulher. s. d’o.
14.1.06
& mundos, vi. a repetição dos contactos com as coisas e os outros tende a produzir relações. e essas relações, enquanto enredo condensado de distâncias regulares e particulares, tendem a definir um roteiro singular. à consequência desse roteiro singular pode chamar-se sujeito, corpo no mundo, com um mundo dentro de si, medido, em escala e em ritmo. 3.
13.1.06
12.1.06
& mundos, v. um dos motivos do mundo, provavelmente o seu motivo primordial, é a sensação de transcendência física que o corpo experimenta no contacto com as coisas e os outros. mas há um momento em que o corpo, enquanto sede dessa sensação de exterioridade, também se começa a sentir. esse sentimento é a primeira das coordenadas, medida de distância, para o mundo. 3.
11.1.06
10.1.06
9.1.06
exercício de comparação, i
como se fosses augusta
e moderna. e também por
todos os teus medos. s. d’o.
7.1.06
& mundos, iv. a experiência do tempo, designadamente através da aferição do seu ritmo diário, é outro dos modos pelos quais tende a ser projectada a circularidade do mundo. o que significa que o cronómetro é o compasso que desenha e agrimensa a quarta dimensão do mundo, a sua regularidade. 3.
6.1.06
as mãos de virago
sobre aquela mesa havia
uma esperança. duas mãos e uma maçã.
sobre aquela mesa havia
uma esperança. uma das mãos acariciou
a maçã. rolou-a com cuidado. agarrou-a
e conduziu-a à boca mais próxima. segurou-a
enquanto os dentes a rasgaram até se encontrarem.
depois, devolveu-a, trincada e salivada,
à mesa. pousou-a.
sobre aquela mesa havia
uma esperança. a mão do acto foi a mão
direita. a outra mão, a mão esquerda,
permaneceu inocente. com a culpa impressa
numa das suas mãos, enquanto mastigava, ela
decidiu esperar.
sobre aquela mesa havia
uma esperança. após acabar de mastigar
o pedaço de maçã, prolongou a espera. a polpa
descoberta do fruto oxidou. e deus, naquela
oportunidade, aproveitou para se exibir,
dançando ali, perante os olhos dela, ao
lado da maçã mordida, sobre aquela mesa.
sobre aquela mesa havia
uma esperança. agora há também a esperança
que ela mastigou e, acrescentado, o mistério
do acto de uma das suas mãos. s. d’o.
5.1.06
& mundos, ii. do plano do mundo e para o mundo fazem-se cartogramas, elementos de cifração e representação do espaço. esses cartogramas não servem os hábitos, que os dispensam. também não servem os pioneiros, porque antes é apenas o inexplorado. os cartogramas servem sobretudo os trânsitos diversos e irregulares posteriores. ou seja, os mapas permitem a repetição e a confirmação do plano do mundo porque, em símbolo, são justamente a repetição e a confirmação desse plano. e é sobre esta relação, por eliminação de um dos termos - a repetição e a confirmação simbólica do plano do mundo -, que se fundam duas hipóteses estranhas: a hipótese da descoberta e a hipótese do labirinto. 3.
4.1.06
le inrockuptible
queria, queria em desejo
e vontade, ser uma estrela rock.
por isso escreveu uma canção noir
com o título café lobo canibal. s. d’o.
3.1.06
& mundos, iii. a urgência é uma das sensações que não se conforma com o mundo imaginado círculo, unidade derradeira e encerrada. porque a urgência é um impulso contra o ritmo
2.1.06
e aqui o seu corpo tombou
sob a sombra e o incentivo
de marte, o seu corpo entrou
naquele lugar. acompanhou-o
o gládio e uma voz. também eu
sou sangue a derramar e glória
nesta arena, neste mundo, disse
essa voz. e acrescentou, depois,
oráculo e sentença, repetindo-se
incessantemente, e sei o teu destino,
este chão. s. d’o.
2004/2024 - serôdio d’o. & 3ás (escritos e subscritos por © sérgio faria).