as mãos de virago
sobre aquela mesa havia
uma esperança. duas mãos e uma maçã.
sobre aquela mesa havia
uma esperança. uma das mãos acariciou
a maçã. rolou-a com cuidado. agarrou-a
e conduziu-a à boca mais próxima. segurou-a
enquanto os dentes a rasgaram até se encontrarem.
depois, devolveu-a, trincada e salivada,
à mesa. pousou-a.
sobre aquela mesa havia
uma esperança. a mão do acto foi a mão
direita. a outra mão, a mão esquerda,
permaneceu inocente. com a culpa impressa
numa das suas mãos, enquanto mastigava, ela
decidiu esperar.
sobre aquela mesa havia
uma esperança. após acabar de mastigar
o pedaço de maçã, prolongou a espera. a polpa
descoberta do fruto oxidou. e deus, naquela
oportunidade, aproveitou para se exibir,
dançando ali, perante os olhos dela, ao
lado da maçã mordida, sobre aquela mesa.
sobre aquela mesa havia
uma esperança. agora há também a esperança
que ela mastigou e, acrescentado, o mistério
do acto de uma das suas mãos. s. d’o.