31.5.05
photomaton. em blowup, de antonioni, é pela fotografia a entrada na alma e no corpo das mulheres. 3.
30.5.05
corpo de delito
se o corpo fosse uma mulher
seria necessário recomeçar
o espanto e, depois, a anatomia.
e seria necessário ser um
homem para refulgir-lhe essa
evidência. s. d’o.
28.5.05
se sonata. quão silêncio pode dizer-se? 3.
27.5.05
o meu processo, ii
porquê as palavras?, porquê as polaroids?,
porquê o estremecimento e o vento raso
neste chão?, porquê a margem da península?,
porquê as vagas? e porquê o seu marulhar?,
porquê a têmpera lenta dos pêssegos sob a
luz primaveril?, porquê a paisagem aberta
na manhã que amanhece lenta?, em tempo
vagaroso erguido da aurora. sim, porquê?,
porquê eu?, porquê aqui? s. d’o.
26.5.05
outonos da humana conditio. há uma comunhão entre il gattopardo, de tomasi de lampedusa, e the sound and the fury, de faulkner. a narrativa da miséria a acontecer como acontece. no osso, não no sangue, das personagens. 3.
25.5.05
o meu processo, i
porquê o encerramento neste exílio?, porquê
antes o pleito e a sentença?, que testemunha?,
quem?, me denunciou, que fiz feito que fosse
caso e merecesse este juízo?, se me dou, por
ser, inocente. s. d’o.
24.5.05
nunc et in hora mortis nostræ. em der prozeß, de kafka, as últimas palavras de k., já depois de cravada e rodada a lâmina de magarefe no seu coração, foram “wie ein hund!”. embora não no momento da respectiva pronúncia - também in articulo mortis -, estas palavras contrastam com “mehr licht!”, as últimas ditas por goethe. mas, se numas se percebe um enunciado de mortificação e noutras um enunciado da esperança, em ambas, quando ditas, soa a impotência, a incapacidade de ultrapassar o limite chamado morte. não destino. 3.
23.5.05
folie
por todas as imaginações de que
padeço, sei que não sou sonhador,
mas sonho, o lugar carne onde
acontece o que não aconteceu. é
aí que acordo. é aí que concordo.
os factos são dúvida. e eu também. s. d’o.
21.5.05
alteridade. o tu é um eu que não é eu?, um eu distante, ou é um ele que não é ele?, um ele próximo. 3.
20.5.05
a canção dos odiosos, sem refrão
é ódio o que o meu corpo exala.
é ódio o que o teu corpo exala.
por essas expressões, a do
meu corpo e a do teu corpo,
só o ódio nos pode encontrar,
só o ódio nos pode julgar.
e, como nos encontra, é esse
ódio exalado que já nos julga.
um para o outro. um do outro.
e nos faz mortos. e vivos.
e solidão. e sangue ainda por
derramar. que não tarde o seu
derrame. para derradeiramente
confirmarmos o ódio. que sou
para ti. e que és para mim. s. d’o.
19.5.05
revelações. o poema é uma outra forma de dar evidência, frequentemente evidência espantada, às coisas e aos modos. ou seja, o poema é um modo de dizer outra vez o mesmo pelo ainda não dito. 3.
18.5.05
margem de erro
suponho um erro. não, não é
necessário. remeto a dúvida ao
lugar habitado. e aí, depois,
confirmo.
a suposição estava correcta. s. d’o.
17.5.05
cinismo natural. há uma cena em mondovino, de jonathan nossiter, que descodifica todo o documentário. é quando um cão ergue a pata posterior esquerda e urina sobre uma base de pedra que suporta uma cruz alva, sinal de temência humana que é estranha à natureza. do cão. 3.
16.5.05
em qualquer lugar
em qualquer lugar, quero saber
onde, o mesmo caminho leva-nos
daqui e traz-nos a esta origem.
na berma desse caminho, não
necessariamente traçado, há horas
em que se estende uma penunmbra que,
demorada, se vai adensando até o
crepúsculo, como se fosse o outro
lado do espelho, estilhaçar-se num
intervalo contínuo de negro.
esse caminho é uma oração. os passos
abrem-no, fazendo-o pátria.
passo após passo, o corpo repete-se.
repete-se não apenas no avanço, mas
também no horizonte. o corpo faz-se
e acontece nesse processo.
adiante da penumbra ainda é o tempo
das sombras nítidas. ouvem-se os
ruídos abertos, os sons cavados, os
gestos que na página e na canção
sugerem o naufrágio e a salvação.
nada disto é mistério. sobre os escombros
há um arquitecto que desenha assim os
lugares. a carne pode ser ferida,
devorada, mas sobra sempre carne para
as mãos serem, as mesmas mãos que
talham a pedra e, com ela, constróem
as moradas, os cais, as torres e os túmulos.
em qualquer lugar, quero saber
onde, é o mesmo caminho para
chegar e fugir. em qualquer lugar,
aqui, sempre aqui, é, como sou,
a loucura, a mesma loucura.
14.5.05
iii, se o diabo é uma mulher. é porque, como em susana - de luis buñuel -,
13.5.05
palavridade
nestas palavras há pouco corpo.
e, se te digo, não sei o seu
paradeiro. também não quero
saber. se vou morrer, basta-me
a ironia que estas palavras, porque
palavras, podem e alcançam. s. d’o.
12.5.05
ii, se o diabo é uma mulher. é porque, como em le diabe au corps - de claude autant-lara -,
11.5.05
círculo-mundo
é pelos actos, gestos avulsos, que
a segurança de ser e saber que nas mãos
começa e termina o cerco. e o resto.
10.5.05
i, se o diabo é uma mulher. é porque, como em flesh and the devil - de clarence brown -,
9.5.05
hipótese
poderia ser desta fome a primeira
esperança, a inocência lavrada nos
chãos do corpo. e, sempre posto
assim, poderia o horizonte da história
ser o nome do tempo, lugar onde
persiste a suspeita sobre o ritmo
exacto do futuro, futuro que não
existe, mas é condição
prometida.
poderia também a mão convocar
nenhuma miséria para melhor compassar
a dor e tocá-la quando não se faz
ela sensação. e, como num jogo de compromisso,
poderia a mesma mão não oferecer domicílio ao
resgate que faz a vida ser uma
nostalgia prisioneira de todos os
destinos dos quais nenhuma âncora
foge. s. d’o.
7.5.05
uma dúvida. há centauros a dançar na casa dos anéis? 3.
6.5.05
5.5.05
amar, verbo intransitivo. é de mário de andrade o mais exacto de todos os títulos. 3.
4.5.05
3.5.05
deambulação oblíqua. aprende-se a assimetria percebendo a
2.5.05
composição de uma palavra só, fuga iii
não é marca do teu
2004/2024 - serôdio d’o. & 3ás (escritos e subscritos por © sérgio faria).