em qualquer lugar
em qualquer lugar, quero saber
onde, o mesmo caminho leva-nos
daqui e traz-nos a esta origem.
na berma desse caminho, não
necessariamente traçado, há horas
em que se estende uma penunmbra que,
demorada, se vai adensando até o
crepúsculo, como se fosse o outro
lado do espelho, estilhaçar-se num
intervalo contínuo de negro.
esse caminho é uma oração. os passos
abrem-no, fazendo-o pátria.
passo após passo, o corpo repete-se.
repete-se não apenas no avanço, mas
também no horizonte. o corpo faz-se
e acontece nesse processo.
adiante da penumbra ainda é o tempo
das sombras nítidas. ouvem-se os
ruídos abertos, os sons cavados, os
gestos que na página e na canção
sugerem o naufrágio e a salvação.
nada disto é mistério. sobre os escombros
há um arquitecto que desenha assim os
lugares. a carne pode ser ferida,
devorada, mas sobra sempre carne para
as mãos serem, as mesmas mãos que
talham a pedra e, com ela, constróem
as moradas, os cais, as torres e os túmulos.
em qualquer lugar, quero saber
onde, é o mesmo caminho para
chegar e fugir. em qualquer lugar,
aqui, sempre aqui, é, como sou,
a loucura, a mesma loucura.