22.3.12
não esquecer, é preciso esquecer, continuar
o saque, a glória. é preciso insistir, perseguir
a elevação definitiva e a queda consequente,
uma vibração pequena entre todos os assaltos
do dia, descobrir quase nada entre nada,
o capítulo das revelações que fecha o livro.
depois as orações, o toque do pulso, a procura
do ritmo que aí passa, os olhos ainda abertos.
o resto já não pertence a esta história. s. d’o.
20.3.12
zona de conforto?, evito a discussão. mantenho
o corte, levanto a mão. portugal, one point,
ainda estamos aqui. s. d’o.
15.3.12
desta voz, o fumo, nenhum cântico, nenhum
anúncio. foi assim que deus nos encontrou, calçados
porém calados, sem que estivéssemos à espera dele
ou de que ele nos encontrasse. nunca o chamámos.
a arena está agora sem ninguém. o prato tem couves
e batatas cozidas, o bacalhau e o azeite estão prometidos.
é quase tarde. s. d’o.
13.3.12
paisagem, iii
traz-se a manhã. mudaram-lhe o nome, já não é nosso.
corpo aproado ao promontório, depois sobre ele, no ritmo
macilento ou preguiçoso do marulhar. dali a contemplação,
o friso fragoso do qual se levantam os cortes ásperos
dos leixões, como se emergisse uma polpa de rocha
irregular e porosa, que parece não ferir os golpes de água
como anavalham a carne que se encontre com ela.
a manhã continua a acontecer demorada, como as manhãs
acontecem. as ravinas caídas do bordo dos penedos
permitem sentir a sequência que vai do cerúleo ao glauco. s. d’o.
8.3.12
paisagem, ii
fantasmas, snipers. uma maçã. não tinha percebido
que os anjos estavam nus. no escuro vê-se mal
e eu vejo mal mesmo sem ser no escuro. depois
veio a claridade, descobri o que era o amor
quando vi wild at heart numa sala de cinema
sozinho e continuei a acreditar que podia
não morrer por causa disso. de facto, até hoje
nunca morri. must be a devil between us, ã ã,
or whores at my head, ã?, whores at my door,
conheço a canção, whores in my bed. s. d’o.
__________
paisagem ii inclui versos da canção hey (in doolittle, 4ad, 1989), da banda pixies.
6.3.12
paisagem, i
cia, agência radar, rádio turno sete, em onda curta
e frequência modulada, é à escolha. a mãe olha
para mim, a bíblia tem caligrafado, estou entediado,
os dias quentes fazem-me estrangeiro, god bless,
leio dog bless. s. d’o.
1.3.12
despejo por consentimento mútuo
sangue outra vez. estou com pressa, demoras?, não espero
pela resposta, é sangue, só ouço o que como murmúrio fica
para trás, excedi-me novamente. não sou delicado, tento
ser discreto. esta não é a minha estreia com fantasmas.
na imaginação costumam ser diferentes, cinematográficos
sobretudo, sem necessidade de manipulação ou efeitos
de pós-produção. aparecem quando acontecem apocalipses
íntimos, dispensam atmosferas, não entram nos ciúmes
ou nos crimes fáceis em que a voz é cruel, aparecem apenas
e ficam calados, como se se anunciassem para o assalto
através da presença.
onde estás?, já não estou, evitei-me a tempo de perceber
a ausência, o espectro dela. não estou na linha de passe.
posso ir ter contigo?, para quê?, tenho que sair, não posso
ficar, assalto-me.
estupefacientes quentes, tu ainda queres o meu paradeiro?,
o cavalo galopa na prata, ainda queres saber se estou aqui?,
continuo a não estar.
continuo a não estar. aproximo-me devagar, olá, não vejo
a emília a brincar, abre os olhos, estou quase a chegar?
ou é o fim a começar a acontecer? s. d’o.
2004/2024 - serôdio d’o. & 3ás (escritos e subscritos por © sérgio faria).