28.2.12
realpolitik
o tempo tem dorso, tem digestão. não é fácil
prendê-lo. há-lhe devoção, há quem o engula
sem mastigar e não consiga dizer qual a espessura
que tem. o tempo é um país grotesco, sempre
e depois. ontem não era diferente, a diplomacia
falhou.
não sabemos bem que mês é este. abril não é,
novembro não é. outubro sei eu que não é. mês,
pois. devemos-lhe o país, mas país talvez não
seja a palavra exacta. cada país é o homem
que deixa a mulher em casa, um amor estranho. s. d’o.
23.2.12
21.2.12
onde estás? talvez seja evocação. chegaram estátuas
novas. o teu pai não espera que possam ser diferentes,
hábito de quem já amanhou chão e aprendeu a tentar
proteger a novidade, para que viesse depois, raiz, caule
ou fruto, e dela viver, com ela servir a dieta dos dias,
com pão e vinho a acompanhar. sabes?, ainda recordo
quantos fomos à mesa onde já não sou há muito tempo. s. d’o.
16.2.12
ignoro o caminho, o sentido dos fluxos migratórios.
apontas o cuidado, perder o nome é perder mais
do que a palavra, é perder o objecto. a roupa espalhada
sobre o chão do quarto, a casa habitada. não estamos
aqui. este sítio trespassa-nos. s. d’o.
14.2.12
gerações
quando alguém fala sobre gerações começo a imaginar
a máquina que as corta e separa. admito o teste.
e se te perguntasse qual é o teu bob dylan? hesito.
qual é o teu bob dylan? não sou rapaz de bob dylans.
talvez a cate blanchett, talvez. s. d’o.
9.2.12
7.2.12
tenho evitado escrever-te
começo com a pergunta onde estás? não espero
resposta, quero apenas repetir a tua ausência,
habituar-me a ela pelas palavras. profilaxia?,
talvez seja, pacto para arrecadar memórias,
cláusula de contrato sentimental.
a última vez que falámos sobre os dias, isto
e aquilo, as coisas continuaram a acontecer.
uma chávena arrefecia embrulhada nas tuas mãos,
sem mais passado do esse gesto e o momento
próprio dele. e eis que, as nossas vozes caladas
num intervalo súbito, continuando o dia e as coisas
a acontecerem, da televisão veio uma notícia, corte
na certeza de que os factos obedecem a uma sequência
mais do que a um ritmo, primeiro são factos,
depois são notícia. rimos perante o perfil do credo
que percebemos desacreditado com tanta crueza
quanta a crueza do que sucede e só depois é noticiado,
rimos no conforto de quem recebeu a notícia. o barco
de film socialisme tinha naufragado, havia mortos,
mais e menos metáfora do que o que tinha sido realizado
por godard, e o capitão não foi o último a abandoná-lo.
parece que, em absoluto, ser o último já deixou de ser
honroso. tempo interessante, este. s. d’o.
2.2.12
2004/2024 - serôdio d’o. & 3ás (escritos e subscritos por © sérgio faria).