tenho evitado escrever-te
começo com a pergunta onde estás? não espero
resposta, quero apenas repetir a tua ausência,
habituar-me a ela pelas palavras. profilaxia?,
talvez seja, pacto para arrecadar memórias,
cláusula de contrato sentimental.
a última vez que falámos sobre os dias, isto
e aquilo, as coisas continuaram a acontecer.
uma chávena arrefecia embrulhada nas tuas mãos,
sem mais passado do esse gesto e o momento
próprio dele. e eis que, as nossas vozes caladas
num intervalo súbito, continuando o dia e as coisas
a acontecerem, da televisão veio uma notícia, corte
na certeza de que os factos obedecem a uma sequência
mais do que a um ritmo, primeiro são factos,
depois são notícia. rimos perante o perfil do credo
que percebemos desacreditado com tanta crueza
quanta a crueza do que sucede e só depois é noticiado,
rimos no conforto de quem recebeu a notícia. o barco
de film socialisme tinha naufragado, havia mortos,
mais e menos metáfora do que o que tinha sido realizado
por godard, e o capitão não foi o último a abandoná-lo.
parece que, em absoluto, ser o último já deixou de ser
honroso. tempo interessante, este. s. d’o.