25.12.09
23.12.09
cerca de meia hora
a humanidade no estúdio, na estrada, no banco de trás de um vauxhall,
antes da deflagração surround. de onde regresso?, da mutilação, o gesto
verdadeiro da fronteira. onde começo?, onde acabo?, não interessa,
porque os limites podem ser redefinidos, pode-se recomeçar, acabar
outra vez, o mesmo princípio e o mesmo fim novamente. não, isto não
é um exorcismo, talvez seja uma tentativa de êxodo da identidade,
o corpo sem saída, e a constatação da perseguição que o corte não resolve.
este é o silêncio antes das trombetas, sete. as três últimas são as dos ais. s. d’o.
21.12.09
auto
culpa, culpa, culpa, calcinada, a voz como matéria, sedimento para amanho, os pulmões cheios disso mas encapsulados no peito, quando sobre a mesa está a natureza morta, uma amostra, tudo incompleto, sem correspondência, sem complemento, a morte à espreita, inteira como ela é. o perigo também, o perigo, alguém calou o perigo, talvez deus, talvez não, ninguém sabe quem, e agora o perigo acontece sem aviso, anónimo, ventríloquo do mesmo, o silêncio, como as mortes em cada morte. o perigo acontece como metamorfose pelo manuseamento, pela mão de obra, já não é o frio por onde chega o beijo, agora é sem perguntas, sem respostas. a explicação é simples, pode chamar-se-lhe o nome que tem, amor. é resolver uma vida, duas vidas, pelo menos, duas vidas, quantas forem, as que forem, do mesmo modo que me permito recordar o dia doze de maio de mil novecentos e cinquenta e sete, ainda sem o aparato das peregrinações actuais a fátima, o facto sucedeu em brooklyn, new york, no ebetts field, um estádio que já não existe, marilyn monroe a chutar uma bola de futebol, usava um vestido azul, turquesa talvez, as fotografias são antigas, antes de um jogo entre uma equipa norte-americana, all stars, e uma equipa israelita, o הפועל תל אביב. recordo também o anão e o polícia, ao lado de marilyn monroe, quase morta, faltavam cinco anos para ela morrer, morreu em mil novecentos e sessenta e dois, a cinco de agosto. e subitamente o amor pode ter sangue, tem uma instituição com que concorda. s. d’o.
11.12.09
elipse
havia murmúrios no caminho, corpos na multidão, um império
breve ali. ninguém falava de domingos ou classes sociais.
as mulheres passavam expulsas e, recordo, nós estávamos
a assistir à passagem delas. os dias da infância não terminavam
os espantos que traziam. eu estava mais espantado do que tu.
as nossas mãos mexiam-se lentamente, sem ofício ou medida,
espantadas apenas. tu disseste sabes?, o raciocínio é abstracto
e eu concordei, embora estivesse a tentar segurar-te, a agarrar-te
já sem resposta, porque tu quisseste passar também, com elas,
e foste. eu fiquei, foi a primeira vez. s. d’o.
9.12.09
avatar
a identidade no desprendimento da identidade,
ser aquém e além de ser, sou assim, não sei
quem sou, sei apenas o que tento fazer e o engano
que, às vezes, tantas vezes, isso é. s. d’o.
7.12.09
a necessidade de arrastão, de medir o que se perde, sim, é uma coincidência,
deve consultar-se mais vezes a secção de cutelaria. para quê?, para algo
diferente. já não basta assentar no inventário os amores pequenos, todos
perfeitos, sem osso, como se fossem uma espécie de restituição antecipada.
a incapacidade de sobreviver aos acidentes domésticos, de recuperar deles
o custo e a lição, transforma a memória em culpa. inflamação, febre.
a perda, ela infunde no corpo um peso semelhante à morte, e marcha-se
no mesmo sítio, ao ritmo dos gestos e das rotinas, da superstição também, agora
sem conteúdo, a vida perfunctória, mais animal é impossível. só mais tarde se percebe
o desabafo, a natureza é uma puta. o caso não é de moralidade, é de atalhos e detalhes.
são eles que ainda seguram a perda, que a decompõem devagar. não é uma amputação.
a cesura súbita, é a desintegração gradual, uma imagem.
a perda não pode ser óbvia. nunca saímos da infância. um envelope colocado sobre a mesa
de cabeceira. nenhuma confissão, nenhuma declaração. a servidão continua. s. d’o.
2004/2024 - serôdio d’o. & 3ás (escritos e subscritos por © sérgio faria).