26.6.09
o mundo
talvez algo esteja a acontecer, embora eu esteja quieto
e neste momento não tenha como saber se, algo está a acontecer,
algo está a acontecer. além de mim. s. d’o.
24.6.09
preservo as minhas brincadeiras de menino. sou hipócrita,
não cresci tanto assim. as ruínas permanecem as mesmas,
a minha morada, e eu mais próximo delas, a respirar. s. d’o.
22.6.09
perguntam-me que sentido único preferes? e eu, após hesitar,
respondo o que é um corpo. s. d’o.
12.6.09
the imperfect is our paradise *
a teoria do poema
as horas e os momentos que investes contra o tempo
fazem-te minha irmã de lâminas. a consequência da descoberta?,
o módulo, a transmissão do sufoco. somos modernos, irmã,
substância da vindima ancestral, geração sobre geração,
corpo de corpo, corpo de corpo de corpo. o que vejo?
uma mulher a espreitar para dentro da suspeita, a fendê-la,
como fruto. as manhãs são assim, metamorfose, encerramento
seminal. e um café.
mãe, és tu? sim, mãe, eu aponto o lugar que ocupo. mãe,
os velhos estão a passar, conduzidos para o copo com vinho
que os espera no manel do raul. passam lentamente, versos,
vultos dobrados, mãe. não vão para a igreja. eu vou com eles,
embora em passo atrasado. passo também. uma palavra orgânica,
em carne crua. custa-me o cheiro do vinho. sinto-o. a tragédia
da infância presente pela disposição, não pelas reminiscências.
o procedimento fragmentado da psicanálise, a unidade quotidiana.
uma rodada, pago eu. tento uma dobra, a aceitação. falho. eles bebem
o vinho à mesma. sinto que sinto, sinto muito. não sinto. os mortos
são para enterrar.
o cortejo fúnebre começa a desfilar. a infecção, ser assim,
fôlego de nada. ser assim a todas as horas, mó de moer-se
e a teoria disso. nenhuma preocupação poderá salvar-nos.
estou a aprender a ser órfão. s. d’o.
__________
* verso de “the poems of our climate”, de wallace stevens.
10.6.09
pátria
a morte a fazer-se em mim, o assédio da ideia
disso. a falência da presença, crescida em suplemento
do corpo meu.
o apelo da ascensão. digo não vou, prefiro o esgotamento.
na tua mão a trégua para a deambulação, para a descida. vou,
mas custa-me respirar assim, tão abaixo do nível das coisas
gerais e dos nomes que lhes foram atribuídos. é já a indiferença
na tua mão, agora na minha mão também, a infecção que alastra
porque me encostei ao lado do tempo que, como o reino nosso,
escorre para o ofício pleno da perda. nada mais desejamos,
basta-nos a culpa. s. d’o.
8.6.09
uma cena urbana
as unhas pintadas combinadas com as rugas e os anéis.
o trato da cidade, a rapidez que tece a atitude blasé.
uma pressa de destino, a vigilância dos preconceitos
que permite observar uma mulher e a criança que a acompanha.
a família que espera cada um de muitos de nós. uma rapariga
sentada. a cumplicidade da presença, a cumplicidade da espera.
ele chega. corpos precoces, o beijo furtivo. o mundo
demasiado apertado, ela e ele em abraço, as mãos trocadas.
aproximam-se do balcão. a empregada diz boa noite,
sem sorrir. ela hesita, ele decide. dois bilhetes para a sala três,
se faz favor. ela paga. s. d’o.
2004/2024 - serôdio d’o. & 3ás (escritos e subscritos por © sérgio faria).