23.1.09
se eu pudesse renunciar a todas as canções que já disse
minhas, sobraria de mim o assalto e a arma com que o consumei.
não, assim eu não seria muito diferente do que sou, ouviria apenas
outras vozes, talvez outros conselhos. s. d’o.
21.1.09
quantas facas?, quantos fogos?, se são sempre a mesma alfaia
e o mesmo incêndio, repetição e repetição da repetição
que prolongam as horas e a demora. quantas facas?, quantos fogos?,
se a edição última está esgotada e a próxima será revista. s. d’o.
19.1.09
meto a mão, meto a mão. esqueço o itinerário. a máquina é maior
do que eu julgava. por instantes evito avançar. hesito e avalio
as oportunidades. vai começar a brincadeira. deus está a mentir-nos.
não é segredo, é um bónus. pago para ver.
talvez seja momento de acordarmos. noto a ausência do sal nas mãos.
ontem não era diferente, nem mais nem menos pulp fiction.
agora não retiro a mão. um hábito conciso meu?, as horas extra.
desperdiço as vésperas e a voz. sais de prata à prova de água.
perdi-me à décima sétima, não à sétima.
insisto nas palavras que não escutas, cordilheira e praça.
sei que estás a agarrar um martelo, a síndrome e o húmus.
já não vejo a máquina.
o tráfego, o semblante. junta as tuas coisas, estamos de passagem.
paramos no caminho para comer qualquer coisa. olha, as cruzes
estão a ficar para trás. até à portagem perderemos muitas mais.
já não são abrigo, já não são depósito. s. d’o.
9.1.09
gemo, não sei desengaçar o medo dos sábados.
quero o medo inteiro e mudar, o calendário todo,
enfim. s. d’o.
7.1.09
mão de obra
embora não para ou por si, a mão faz o que as mãos fazem e adianta-se. noutro sentido atrasa-se. as horas são com ela. s. d’o.
5.1.09
esboço do princípio
este é o impulso do rasgo, antes da consequência e da experiência. é a força aberta no próprio derrame à procura da forma que a revele, sem elaboração ou programa, força que irrompe do nada, em bruto e à primeira mão. desta antecipação a torrente é levantada como sopro febril, como vantagem e vertigem. sobre o papel a mão leva um ânimo contra o horizonte, um ânimo sem senhor ou destino. a mão sulca sem generosidade, sem descrição, a tentar abafar a aclamação das coisas e do império anterior. depois, do rasgo que a fez apagado, sobra uma paisagem. vê-se o produto, não o processo que o originou. não há invenção, não há criação, há composição, transferência. sucede o que resulta do exercício da força para fixar o contraste, de modo a, como acontece nas polaroids, suspender o que está entre a iluminação e a transparência num suporte estranho. no acto do formão que vinca as dobras nem arrogância nem júbilo. como manifestar? no princípio é uma natureza semelhante à do voo de um falcão, posteriormente é o rasto desse voo, sendo o rasto justamente o que o distingue do voo e então do voo já nada se sabe. e por aí é o efeito de eternidade compreendido na carne e no gesto que a prolonga. na superfície fica a inscrição das coisas saídas da primeira mão, em compasso que concretiza a passagem e a apaga. porquê assim? porque no princípio não é o repouso, é a assembleia dos elementos e das vozes, a constituição universal. no princípio é a dança e é a expansão da dança, que é o contrário da arrumação. ao levantar-se, a mão cumpre uma energia diferente. por nenhuma denominação ser-lhe exacta, talvez ligação seja o nome mais aproximado dessa energia. ligação que transborda, que transforma nada em algo semelhante a nada. e à mão correspondem os olhos, correspondem também os ouvidos. e à escrita correspondem as leituras caladas ou em voz e, se estas, as audições. esta combinação de sentidos é o que mais nos aproxima e distingue dos animais. uma só natureza, uma só comunidade e a mão em uma e em outra simultaneamente. o que a manipulação resolve é o mesmo. s. d’o.
2004/2024 - serôdio d’o. & 3ás (escritos e subscritos por © sérgio faria).