esboço do princípio
este é o impulso do rasgo, antes da consequência e da experiência. é a força aberta no próprio derrame à procura da forma que a revele, sem elaboração ou programa, força que irrompe do nada, em bruto e à primeira mão. desta antecipação a torrente é levantada como sopro febril, como vantagem e vertigem. sobre o papel a mão leva um ânimo contra o horizonte, um ânimo sem senhor ou destino. a mão sulca sem generosidade, sem descrição, a tentar abafar a aclamação das coisas e do império anterior. depois, do rasgo que a fez apagado, sobra uma paisagem. vê-se o produto, não o processo que o originou. não há invenção, não há criação, há composição, transferência. sucede o que resulta do exercício da força para fixar o contraste, de modo a, como acontece nas polaroids, suspender o que está entre a iluminação e a transparência num suporte estranho. no acto do formão que vinca as dobras nem arrogância nem júbilo. como manifestar? no princípio é uma natureza semelhante à do voo de um falcão, posteriormente é o rasto desse voo, sendo o rasto justamente o que o distingue do voo e então do voo já nada se sabe. e por aí é o efeito de eternidade compreendido na carne e no gesto que a prolonga. na superfície fica a inscrição das coisas saídas da primeira mão, em compasso que concretiza a passagem e a apaga. porquê assim? porque no princípio não é o repouso, é a assembleia dos elementos e das vozes, a constituição universal. no princípio é a dança e é a expansão da dança, que é o contrário da arrumação. ao levantar-se, a mão cumpre uma energia diferente. por nenhuma denominação ser-lhe exacta, talvez ligação seja o nome mais aproximado dessa energia. ligação que transborda, que transforma nada em algo semelhante a nada. e à mão correspondem os olhos, correspondem também os ouvidos. e à escrita correspondem as leituras caladas ou em voz e, se estas, as audições. esta combinação de sentidos é o que mais nos aproxima e distingue dos animais. uma só natureza, uma só comunidade e a mão em uma e em outra simultaneamente. o que a manipulação resolve é o mesmo. s. d’o.