27.7.07
os mesmos dias diferentes
os dias deste verão estão diferentes, com o tempo
menos cansado e caiado. é por isso que, já depois
da temporada dos frutos, não sei onde regressar.
a este subterrâneo?, onde todos estamos sozinhos,
que começa a abrir-se e a devolver-nos. não sei.
o mesmo sangue falhado, a roupa que adivinho,
estancam-me aqui. todos estamos sozinhos, demasiado sós,
para que, como nós, os dias deste verão possam ser diferentes,
sem a lâmina que nos separa. s. d’o.
25.7.07
dias diferentes
este mar que, como cordeiro que se guarda
com o seu pastor, quebra nos teus pés
não vem do evangelho que aprendi contigo.
esse outro chegava encrespado, sem antídoto,
antes da anestesia, recordas-te? era a massa
levantada pela matéria mesma, de onde se esperava
o peixe, não as redes vazias. que é feito desse mar?,
mar de quando não domado, sem veias cansadas.
que é feito desse corpo estremecido?, pancada
sobre pancada, repetido e permanente, jazigo
onde os homens vão sem morar. que é feito?,
respondo, não sei. os dias deste verão estão diferentes. s. d’o.
23.7.07
a missão
veio com o cuidado de pensar o sul, um chão pequeno. ao chegar ao baldio, contornando o redil comunitário, o coro dos sete loucos louvo-o. deteve-se por instantes, antes de seguir, agora capaz de compreender o sentido das últimas palavras ditar por um daqueles sete, o mais velho, sem nós, aqui jamais serias um estranho. depois continuou ainda mais para sul. s. d’o.
13.7.07
estação silêncio
prefiro que as histórias se construam durante a noite,
pesam mais os lábios. esta é um exemplo.
a menina disse sou os meus sapatos - que, reparei,
eram de verniz - e continuou a escovar as manchas
do papel de parede. olhei-a. ela, olhos nos olhos,
confrontou a minha presença. eu nada disse, nada
tinha a dizer. sem demorar silente, ela repetiu sou
os meus sapatos. talvez fosse. percebi que não percebi
se ela escovava manchas ou sombras do papel de parede.
a casa não tinha paredes. e ela acrescentou laisse
tomber les filles. sem socorro, eu permaneci calado.
nada tinha a dizer. s. d’o.
11.7.07
a repetição do corpo
a manobra implicava o transplante de destroços.
durante, a lanterna caiu-lhe das mãos. houve luz
derrubada, episódio com sequência. na circunstância,
incapaz de abreviar ou nomear o fogo, começou o gesto
de lançar-se sobre a escada, para trazer os degraus
a mais do que os seus pés. lançou-se para onde saíam
os golpes da noite. deixou cair o corpo, caiu. após, recuperou,
ergueu-se. pudesse eu não ter limites, disse. e aproximou-se
de um espelho, para, levantado e pelo reflexo, sentir repetir-se,
antes de tornar a aproximar-se da escada. s. d’o.
9.7.07
final da tarde
vejo sangue. o que estás a fazer?,
aqui. ainda te recordo morta.
sinto o corpo em movimento,
demasiado preso a ti. o traço
da lâmina, o seu fio preciso.
depois o golpe. colho os dedos
precipitados sobre a sombra,
como se, através desse gesto,
conseguisse recuperar uma parte
do desperdício. um sopro árido
toca os dedos, as mãos. é o final
da tarde. algum dia o teu corpo
regressará?, aqui. s. d’o.
2004/2024 - serôdio d’o. & 3ás (escritos e subscritos por © sérgio faria).