30.4.05
crono e vitalis. o passado é o que foi no tempo. o presente é o que é no tempo. o futuro é o que será no tempo. e a vida é o processo pelo qual o tempo foi, é e será. 3.
29.4.05
composição de uma palavra só, fuga ii
aqui é a tua
28.4.05
as time goes by. a história é o que foi, é e será no tempo. a história não é o tempo. 3.
27.4.05
composição de uma palavra só, fuga i
fica o
26.4.05
melodia e ritmo. em o som semente, de margarida cepêda, corre, jogado, como dança oculta, o silêncio que urde o mundo. 3.
25.4.05
liberdade
há uma palavra que dita
não tem o mesmo sentido
que a coisa. porque a coisa
não é coisa. e a coisa não é
para ser dita. é para ser feita. s. d’o.
23.4.05
domicílio comum. por el loco, de pablo picasso, percebe-se que a loucura é a casa onde somos hóspedes. 3.
22.4.05
o discurso do açougueiro
dizer da carne o quê?, se não sabes
os seus ofícios.
não adianta.
não discuto a carne como discuto
o cereal. porque o cereal, amanhado,
é a causa do pão, enquanto a carne
é o lugar das feridas. s. d’o.
21.4.05
harmoníaco. manter as mãos como atitude mais do que como lugar. é isto a perda. ou o seu prenúncio. 3.
20.4.05
a mulher que dizia o nome do mundo
ela não parava de dizer o nome do mundo.
mundo, mundo, mundo, mundo, mundo...
pouco se sabia daquela mulher, excepto
que repetia incessantemente a mesma palavra,
mundo, mundo, mundo, mundo, mundo...
sem utilizar outros vocábulos, quaisquer
que fossem.
um dia, porém, ela deteve-se frente a uma vitrina
onde estava exposto um mapa e, olhando-o,
abrandou o ritmo em que dizia o nome do mundo.
mundo, mundo, mundo, mundo,.. mundo,
mundo, mundo, mundo, mundo...
o mundo parecia estar ali, todo, defronte dos seus
olhos e isso de algum modo perturbava-a.
abrandou ainda mais o ritmo em que dizia o
nome do mundo,
mundo, mundo, mundo, mundo,
mundo, mundo, mundo, mundo, mundo,
mundo, mundo, mundo...
até extinguir-se a sua voz. calou-se. chorou.
depois, procurando recompor-se, a mulher
desabafou, o que acrescenta ou diferencia
dizer continuamente a palavra mundo?,
se o que o confirma não é o seu nome,
mas o seu desenho. desde esse dia, ninguém
voltou a vê-la. tão pouco alguém tornou
a ouvi-la. a dizer o nome do mundo. ou qualquer
outra palavra que fosse. s. d’o.
19.4.05
lugar do mundo. a árvore de joshua é a legenda do meu horto. 3.
18.4.05
sugestões, iv
se dizes corpo, imagino
o sabor que a boca descobriu.
imagino também o percurso das
mãos, o seu afago e os beijos
nervosos. imagino o cheiro, o
mesmo cheiro, e a prova que
o espelho devolve, como se
fosse memória. e, não sei
porquê, imagino túlipas
e nenúfares. s. d’o.
16.4.05
remissão. perdoar, se há que perdoar, que seja por uma
15.4.05
sugestões, iii
se dizes deus, imagino
o mar, labirinto aberto, e nele
as artes jogadas, à sorte. às
vezes, o royal flush era um
cardume de sardinhas. o pão
amanhava-se em terra. s. d’o.
14.4.05
heart of stone. la danaide, talhada por rodin, é uma representação fulgurante da condição e da circunstância da paixão, no modo como cada um cai num poço sem fundo. e cai sempre. todos os dias. no e pelo gesto de aí verter a água que se transporta. em baldes. ou em lágrimas. 3.
13.4.05
sugestões, ii
se dizes senhora, imagino
a lua e o marquês devasso.
imagino também a louca que
convocava os espíritos para
se vingar dos vizinhos que
com ela se recusavam a
confraternizar. e imagino
a avenida nocturna, onde
sou tantos passos. s. d’o.
12.4.05
sequência lógica para uma gramática de tudo o que é mundo e pode ser dito sobre ele. um dedo explora as páginas de tractatus logico-philosophicus, de wittgenstein, e vai apontando.
1. | “o mundo é tudo o que é caso”. |
2. | “o que é o caso, o facto, é a existência de estados de coisas”. |
2.01. | “o estado de coisas é uma conexão entre objectos (coisas)”. |
2.04. | “a totalidade dos estados de coisas que existem é o mundo”. |
2.06. | “a existência e a não existência de estados de coisas é a realidade”. |
2.063. | “a realidade total é o mundo”. |
5.621 | “o mundo e a vida são um”. |
5.632. | “o sujeito não pertence ao mundo mas é um limite do mundo”. |
6.13. | “a lógica não é uma doutrina, é um espelho cuja imagem é o mundo”. |
6.2. | “a matemática é um método lógico”. |
6.22. | “a lógica do mundo, que as proposições da lógica mostram nas tautologias, mostra-se em matemática por meio de igualdades”. |
6.41. | “o sentido do mundo tem que esar fora do mundo. no mundo tudo é como é e tudo acontece como acontece; nele não existe qualquer valor - e se existisse não tinha qualquer valor”. |
6.43. | “se o bem e o mal alteram o mundo, então só alteram os limites do mundo, não os factos, não o que pode ser expresso na linguagem”. |
6.432. | “como o mundo é, é para o que está acima, completamente indiferente. deus não se revela no mundo”. |
6.4321.0 | “os factos só pertencem ao problema, não à solução”. |
6.44. | “o que é místico é que o mundo exista, não como o mundo é”. |
6.521. | “a solução do problema da vida nota-se no evanescimento do problema”. |
6.522. | “existe no entanto o inexprimível. é o que se revela, é o místico”. 3. |
11.4.05
sugestões, i
se dizes alpendre, imagino
o fim das longas tardes mornas,
o cheiro da terra lavada, os
barulhos da charneca fronteira
ao bosque e o ininterrupto murmurar
do mar. s. d’o.
9.4.05
tudo num só dia. ulisses, de joyce, é um exemplo do pleno, do absoluto da condensação narrativa do mundo, quando é um mundo, num só dia. 3.
8.4.05
das mãos
as mãos não se conhecem pelo que
mostram. conhecem-se pelo que
fizeram, se cicatrizes, se nada.
podem as mãos ser soberanas e
cair. também podem as mãos ensaiar
a obra e transportar os gestos.
porque nelas principia o mundo e
a ele a devolução do corpo.
são as mãos que rasgam o pão.
são as mãos que seguram e erguem
o cálice.
são as mãos o domicílio do acto
que vindima e faz o sangue e
faz a aliança.
são as mãos a ferramenta da massagem,
o radiador da paixão e da proximidade.
são as mãos a vida do moleiro,
do lenhador, do maestro e
do arquitecto.
são as mãos o primeiro chão de nós
e o único lugar onde é possível
encontrar a morte emprestada.
são as mãos que embalam e, com os
braços, aconchegam o sono.
são as mãos que tocam a face,
enxugam as lágrimas e fazem a bofetada.
são as mãos a margem e o horizonte
e nelas, quando encontro, o mundo
inteiro.
são as mãos que assinam e assassinam.
são as mãos que, como as mães, começam
e acabam.
são as mãos tudo. s. d’o.
7.4.05
exercício de escala. se cabe num mapa, o mundo também cabe num só dia. 3.
6.4.05
ego trip
obsessões?, sim, são lugares de
necessidade, são companhia.
necessidade, são companhia. maçãs,
habitação, sorrisos, mãos,
demónios e túlipas.
demónios e túlipas. e livros.
e discos. e filmes.
e discos. e filmes. o resto?,
o resto são contingências ou
circunstâncias. ou, então,
estados de corpo. modos de
uma morte que espera. s. d’o.
5.4.05
solitude. a solidão é a sensação, não a consciência, da excessiva presença de si
4.4.05
coração em ritmo cw
nenhum coração pulsa assim,
.-------....--., sempre, no mesmo
compasso. s. d’o.
2.4.05
photomaton animado. o cinema é uma das formas de desintoxicação da vida. porque a revela sem a clemência da realidade e sem o desvio da doutrina. e porque, enquanto exercício de revelação, vitaliza. 3.
1.4.05
sob a sombra de uma luz morta
apetece-lhe falar de estrelas
e cair insistentemente no chão. s. d’o.
2004/2024 - serôdio d’o. & 3ás (escritos e subscritos por © sérgio faria).