16.8.12
boa noite. estávamos para nascer quando a tradição foi substituída
pelo improviso. encontrámo-nos e conversámos muitas vezes
sobre isso, o acontecimento do nosso nascimento, entretendo o cuidado
de não perder o tempo já passado. os medos vinham acompanhar-nos
com frequência, como se fossem novos. a apneia dos mortos, a infância
vaga outra vez, a melancolia que regressa com o final repetido das tardes
neste sul, onde as sombras cobiçam os corpos e os espectros em proporções
iguais, sem distinção de casos, matérias ou fronteira. agora a residência
está calada. as canções mais mortas ganham espaço às outras. o ambiente
é soturno, abafado duplamente, circunstância que está para além do verão.
soam gritos pequenos. não era o que estava previsto, o ruído dos detalhes
começados e a que não foi prestada atenção. a esta hora sente-se a região
das almas exausta. percebemos a dedução das ruínas. o território morno,
uma mão tensa, o desamparo, a lubrificação nos dedos, o estremecimento. s. d’o.
14.8.12
manobra
a tua presença reparte as sombras, o lugar
está mais lento entre nós. dizes não sei, não
ouço mas acredito. também não vejo as paredes,
não detecto o cheiro e o som que extraíamos
delas. trazes a respiração ainda com véspera,
levantada numa inclinação com corpo próprio
e método, outra vez, sopros seguidos de outros.
algo parece estranho. estamos entre o engano
e a origem, eu descalço, tu despida. s. d’o.
9.8.12
uma questão
somos no momento, durante aquele tempo necessário
para o acontecimento. os corpos precipitam-se, chamamos
aventura à manobra. e depois?, sobrevivemos?, conseguimos
esquecer? s. d’o.
7.8.12
somos, a cidade fingida
disse, a cidade está mais quieta, a nossa, e sentiu o incómodo
do pronome, por causa tanto da pessoa quanto da propriedade
que a gramática lhe atribui. s. d’o.
2.8.12
e as consequências
lê-se, está sublinhado, dylan continua a ser leal à incoerência
dele. continua, presente do indicativo. porém dylan é nome
que há muito deixou de se conjugar nesse tempo verbal. s. d’o.
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