22.10.10
são simpáticos lá, no cemitério
folhas no chão, o outono chegou. o caderno
está esventrado. as vozes dão realidade à cena.
o cigarro fumado também, lights. vejo a trajectória
da beata desde os lábios até à calçada, o fogo
partido nos paralelepípedos de pedra, pequeno,
a sola do sapato sobre ele, fogo morto, salto alto.
as folhas pautadas estão em branco, correm
sopradas pelo vento não mais vazias do que o gesto
que precipitou a beata para o chão, que dispensou
o acessório para a morte. provavelmente será assim
que morreremos. s. d’o.
20.10.10
metáfora
que o amor é e é tanto mas não é mais
de o que é ou o que seja, porque quem ama
ou quem ame caiu em verbo intransitivo
e dele não sairá ileso. s. d’o.
18.10.10
livro fechado
chove nos corações. a rainha já morreu?, não,
ainda não. é apenas verão, os amores começaram
a acabar, as páginas dos romances começaram
a escassear. agora a que página dobrar o canto? s. d’o.
8.10.10
todos outrora
a noite chegou e encostou-se numa posição
quase sem inclinação. para que ninguém estranhasse,
disseram é assim que as noites chegam e deixaram
os outros sentarem-se à vontade. entre eles havia o fascínio
de ter um livro na mão, rasgar-lhe as páginas
com cuidado e oferecê-las a quem as merecesse.
o juízo é um juízo simples, de resultado sim ou não.
há quem mereça, há quem não mereça e há os outros. s. d’o.
6.10.10
nunca fui vizinho de coltrane
a verdade não é suficiente. desenha-me uma viagem,
promete-me que o fazes. a angústia nos arquipélagos
não se diz do mesmo modo. vou contigo. s. d’o.
4.10.10
há palavras à espera
dissídio ou fome, dores de vida
sem solenidade, mas não, por nunca,
a opressão. s. d’o.
2004/2024 - serôdio d’o. & 3ás (escritos e subscritos por © sérgio faria).