31.3.10
este vazio inteiro que enche a substância que és, que verte
da tua condição a ligação e a interrupção social, nada o detém,
é a sociedade a crescer, a constituir-se e a habitar-te, a anular
a vontade que possas ter de desprenderes-te de ti. esquece
os anjos, o auxílio deles. a tua salvação é o desprendimento,
não há outro modo de livrares-te da sujeição que te faz
o sujeito que és. apenas o desacoplamento de ti, a separação
da carne domesticada, soltar-te-á. o corte não é psicológico,
é ontológico. sofres por ser instância da instância
que te estabeleceu, instância sem nome ou autor, sem centro,
sofres anestesiado. és-me, sou-te, assim, precisamente assim,
ao mesmo tempo, porque o predicado e o tempo são comuns.
um de nós tem de morrer para morrermos ambos. s. d’o.
29.3.10
o corpo é uma saída precária, algo parecido com o fim
que começa e desaba imediatamente após um segredo
que se aprende: quando nos aproximamos das fronteiras,
vemos melhor a ficção que nos separa e une. s. d’o.
19.3.10
this is your captain speaking, your captain
is death. houve um tempo em que ouvíamos
isto e imaginávamos a maionese a falar
dentro do boião, a comandar o mundo. falava
em inglês, obviamente. s. d’o.
17.3.10
15.3.10
está frio, mais frio do que costuma estar, é o segundo
embate do inverno. o que nos une?, une-nos o facto
de dormirmos em camas separadas, cada qual na sua.
não é um amor sem cama, é um amor com duas camas,
unidade maior. s. d’o.
5.3.10
mais do que palavras, o silêncio. não sou capaz
de dizer-te quão guardo o nosso beijo de ontem,
o último, no teu carro. não sei porquê. s. d’o.
3.3.10
acontecimento
a vida é muitas vezes a mesma impotência, o gesto
detido, o riso adiantado, ricorso. diante da morte
é muito o que pode acontecer e ser força. s. d’o.
1.3.10
a mancha
se tudo, por vislumbrar quase ou nada. poema
ou poeta?, não se sabe, não é para saber-se,
embora um e outro sejam tais nomes. a página
estava em branco, agora já não está. é um facto
simples, semelhante a tantos outros, é simplesmente
um facto. s. d’o.
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