31.3.06
fuga
vamos, vamos sempre. vamos pela distância
e pela ausência, vamos. vamos, voltamos
a ir. vamos até doer, vamos até cair.
vamos eternos, como eternos, para sermos
sempre. vamos sem lugar, vamos sem destino,
como regresso, se regresso houver. vamos,
continuamos a ir. vamos caso, vamos acaso.
vamos. vamos, mas eu vou pelos meus passos.
vou desirmanado e para desirmanar. vou, sei
que vou. vamos, vamos. eu vou também. s. d’o.
30.3.06
guilty as charged. a culpa é tão intangível quão inelidível, o que faz do corpo culpado um corpo encantado. 3.
29.3.06
eu, aqui
leio mãos, leio cartas, faço jogos,
simulo destinos.
não sei o que é uma linha, engano-me.
tenho medo, sou novo, estou a crescer.
sufoco, o tempo rouba-me.
mordo, mordo-te, não finjo, não
sou software.
roubo. tenho raiva, tenho fome.
mato, mato-me e recobro.
mato, mato-me e fico. s. d’o.
28.3.06
pomme fiction. provavelmente, quem sabe?, o corpo é apenas coreografia. iniludível, porém, é o declive do peito precipitado sobre a mais exacta das formas, a maçã, o fruto que tira o mistério da fome do mundo. 3.
imagem © lilya corneli
27.3.06
o apóstolo
era um action-man, não tinha dúvidas.
o que fazia remetia para a lei ou
para deus. havia nele uma necessidade
de absoluto, de tudo alojar. por ele,
todas as casas, mesmo as devolutas,
seriam habitação, domicílio de alguém. s. d’o.
25.3.06
os chãos da falência.
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24.3.06
o silente
nada dizia. nada dizia sempre.
traficava silêncio, a voz calada.
tornou-se, por isso, suspeito. s. d’o.
23.3.06
imagine there’s no heaven. a history of violence, realizado por david cronenberg - com base num exercício de banda desenhada homónimo -, são várias histórias.
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22.3.06
21.3.06
galeria.
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imagem © andré bonirre
20.3.06
a cegueira perante as mãos
olha para as mãos como condição
mediúnica do acto, como terra
litúrgica, como vaso de sangue.
olha para as mãos como balanço
entre a esfera e a atmosfera,
como continente e caminho, como
nome e corpo que foram esquecidos.
olha para as mãos como intensão
e como extensão de si e não espera
o que olha. porque não vê. s. d’o.
18.3.06
a caixa de resistência.
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17.3.06
investigações rodin, i
ela decidiu responder à pergunta o que são as palavras?, sem esperar pelos outros. decidiu ensaiar a resposta em exercício calado. encerrou-se no seu domínio possível. mas, chegado o seu raciocínio a um limiar que lhe pareceu inédito, disse as palavras são um instrumento de narrativa do silêncio e, portanto, pela sua difusão, um modo de o partilhar. s. d’o.
16.3.06
lampedusa é outra ilha.
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15.3.06
maldição, iii
perdeu-se. deixou de confiar
nos seus medos e prosseguiu.
o feitiço, porém, obrigou-o
a um novo projecto, sublinhar
vozes. s. d’o.
14.3.06
amazing grace.
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13.3.06
a vinte e nove de janeiro de dois mil e seis
paisagem de uma manhã diferente
um lastro branco, cama e chão
em frio. nas esquinas umbrosas,
cortadas do lugar, a água transformou-se
em vidro. mas tudo haverá de ser
dissoluto. como o peito é um declive. s. d’o.
11.3.06
corpus liberum. na sua geometria, o corpo é a sequência de interiores evitados como exterior. 3.
10.3.06
insondável
vivia dentro, fundo, imune à
superfície. viveu sempre assim.
se pudesse, era-lhe este atalante,
era-lhe este motivo capitoso, seria
ainda mais carne, apenas carne. e
seria assim para poder exilar-se
de si, do espectro desconforme à
sua forma constrita, ao seu corpo. s. d’o.
9.3.06
mare liberum. na sua cartografia, a liberdade é o combate contra os limites, de modo a que a arena aberta, o horto, o pomar, seja todo o espaço, o mundo, e o respectivo tempo. 3.
8.3.06
o maestro dos ventos
naquela casa, casa moral, nenhuma
carne é reserva de remorso,
nenhum cântaro é cómodo de
alma. tudo habita fora, onde há
mãos soltas, sem dono, em slalom
entre os crisântemos, a desenhar
alegorias e zéfiros. s. d’o.
7.3.06
três em linha.
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6.3.06
maldição, ii
venho sem pensar o caminho. regresso
até onde estás, volto ao teu tempo.
disseste-me que era este o lugar, que
era este o momento, mas não te reencontro.
sei apenas que cresceste e, agora,
também te procuras algures. s. d’o.
4.3.06
lugares do corpo, vi.
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imagem © david lynch
3.3.06
do teu corpo
toco-te e sinto a gravidade
sem queda, sem fundo, sem pele.
hesito ainda. imagino-te despida,
caída, sem colar, sem gestos.
imagino o que de ti há-de
romper.
imagino o que de ti há-de
romper, a substância da tua
transcendência. porque dentro
do teu corpo subsiste o mistério,
o silêncio. s. d’o.
2.3.06
lugares do corpo, v.
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imagem © robert e shana parkeharrison
1.3.06
maldição, i
amaldiçoada por desejar a polpa
e o suco dos frutos, ele amou-a
por não ter raízes. s. d’o.
2004/2024 - serôdio d’o. & 3ás (escritos e subscritos por © sérgio faria).