23.7.10
círculo
ainda antes de ser feliz, um tempo para dizer o que existe,
tudo, é uma sensação. o que eu desejo, repito, ainda não é
existir, sinto também. s. d’o.
21.7.10
inquérito por questionário
uma flor no deserto, um aquário low cost. é o que podemos,
classe cê ou dê, social sem nome, letra apenas para iludir
o opróbrio da desqualificação, e se a voar, então, classe turística,
categoria quase de porão. abençoado revisionismo, a víbora está
viva, bem viva. classe social?, classe trabalhadora, status?,
solteiro, desempregado, talvez profissional liberal, às vezes isso,
profissional liberal.
filosofia?, pouca, se não nenhuma, depois de kierkegaard
e sem deus, o que é mais ou menos como estar no trapézio
sem rede. nacionalidade?, portugal é um cais, o lodo é o nosso recreio,
portuguesa quase todos os dias. feliz?, animado, não desarmado,
sem a ideia de que a felicidade pode voltar, porque a felicidade é
o momento antes da presença e a tristeza é o regresso da felicidade
sem a condição original que a proporcionou antes. previsões?,
expectativas?, um ponto final. s. d’o.
19.7.10
amar salazar
se eu sei que escrevi isto já morto, a questão
que se levanta - dadas as circunstâncias, levanta
talvez não seja a palavra adequada - é esta,
como é que leste isto? aqui é sempre a tentação
de saber quem contará a verdade inteira, portanto
também a história do que poderia ter sido. como?,
pergunto-te, ouves-me? s. d’o.
9.7.10
exercício de presença
imagina uma cidade, dá-lhe escala, oito milhões ou mais, não muito
mais. nesse tamanho são muitos os poucos que fazem qualquer coisa
que te interessa, cruzas-te com eles nos lugares onde as mesmas coisas
acontecem, a comunhão, a urbanidade. podes escolher, escolhes.
agora são sete e meia da manhã, sábado, o primeiro do verão. a fanfarra
dos bombeiros voluntários ecoa desde a parte baixa da cidade pequena.
não é possível imaginar tudo. s. d’o.
7.7.10
a tua empresa chama-se eliminar
agora?, costas face a costas, é o momento por que a proximidade
nos faz animais. depois?, intuição ou método, a distância
é o predicado das mãos. não sei para onde vão as tuas mãos. s. d’o.
5.7.10
talvez seja amor
e ficamos, íntimos da meia noite, a colaborar com o tempo
seguido, os músculos ainda a contraírem, a modernidade
simultaneamente mais quieta e sem forma, esta cidade é muito
grande, enquanto a ressonância de tais quietude e dissolução
encontra-nos o corpo, fazendo-nos corpo a corpo, corpo
para corpo. o jogo é de mãos. se é pânico, é antropologia.
se é diferente, pode admitir-se, talvez seja amor. s. d’o.
2004/2024 - serôdio d’o. & 3ás (escritos e subscritos por © sérgio faria).