oração do atraso
o tempo tornou-se proibido. senhor, por minha culpa, por minha tão grande culpa.
o título e a gradação não me impressionam. respiro do mesmo modo, devagar.
isto não parece, mas é o meu quotidiano, um exercício de devastação com ritmo
mais elementar do que matricial, mais modelado do que existencial ou médio.
às vezes esqueço que a mão serve para declarar isto, raso, arbítrio conduzido
por uma instância sem certeza ou soberania. a mão como veículo de emancipação,
libertação em relação às coisas e ao corpo. aceito ser acidental, a superfície
exposta. a minha mãe aconselha-me o tom, moderado, meu filho. calo mãe,
tu não me fodas. eu sei que é para o meu bem, mas e a urgência?, mãe. o silêncio
do meu nome próprio, uma rua, um brinquedo e o mapa desse tempo. não posso
continuar aqui, não tenho eternidade para continuar a ser teu filho. eu ponho
a mesa, ordeno os talheres como tu queres. os prósperos e a corrupção, não penso.
a doença entrou-nos em casa, estamos a aprendê-la. não podemos morrer assim,
justos ou recompensados. não merecemos. mãe, apetece-me partir as estátuas
dos teus deuses, daqueles que veneras, nos teus joelhos e nas tuas orações. mãe,
puta que pariu os teus deuses. esta alvorada será minha, será nossa. comunico-te
o respeito que tenho por ti. mas a verdade, que talvez não seja a verdade
mas tão só o que é, é que eu já estou atrasado, não posso esperar mais. s. d’o.