psych folk, i
isto tudo é tão eterno que não sei por onde começar.
posso começar pelo princípio, o que é recomendável,
porque o princípio é importante em todas as coisas.
porém este é justamente o meu primeiro problema:
onde é que começa a eternidade?
estou quieto. sou uma máquina mutante, quero mudar o canal
da televisão, mas não quero levantar-me para o fazer.
sinto-me antigo. o telefone que há cá em casa é de disco.
ainda não foi reinventado o disco sound. lanço os dados,
lanço também os dardos. porquê? não há um alvo na parede.
tento esquecer tudo, tento sobretudo esquecer onde estou,
inscrevendo-me através do olhar no chão e na carpete.
continuo a querer mudar o canal da televisão. mantenho-me
sentado. a experiência da dissidência é uma experiência
de princípio, ouvi dizer. admito isto sem dificuldade.
e decido experimentar. começo a jogar num lugar vazio,
sendo que o lugar vazio que refiro não é uma metáfora,
é mesmo um lugar vazio. e lanço uma aposta: cinco
números, duas estrelas. conforme as regras, uso uma cruz
para preencher o boletim da aposta.
sinto que o chão é o meu corpo, as sete cruzes são os pontos
de sutura da minha alma. tento-a assim. e, para ser sincero,
agora, já não sei onde estou. estou sentado e posto num jogo,
isto eu sei, embora não saiba mais do que isto. o resultado
do sorteio vai ser anunciado entretanto na televisão. quero mudar
de canal, mas não quero levantar-me. temo que, se o fizer,
possa chegar tarde e, por iniciar outro tempo, influenciar
o resultado do jogo. já não sei onde estou, sei apenas que estou
e que onde estou não tenho tempo. face às probabilidades, sei
também que sete cruzes não são muitas cruzes. s. d’o.