a família
estou cansado e sou livre, o que são motivos suficientes
para começar esta oração.
um avô disse, o outro avô disse, uma das avós disse,
a mãe disse, o pai disse, o irmão disse, a irmã disse,
deus disse e com ele todos os anjos disseram também,
está quieto, mas ele não estava. e assim cresceu,
como uma torção para a qual sempre houve censura
mas nunca houve terapêutica.
ele tornou-se adulto utilizando o método do desejo,
e isto não é metáfora. caminhou por desvios e regressos
vários, porém por não tantos quantos os que encontrou,
porque escrutinou-os com a vontade. demorou jornadas
no lado dos perdidos, assumiu a propriedade vaga dos nómadas
e aprendeu a orientar-se pelos elementos, sem, no entanto,
esquecer-se de onde havia partido e a onde às vezes tornava,
a casa.
um dia, coincidente com um dos seus retornos a casa, sem aviso,
como foram todos os seus retornos, juntou-se à família.
reunidos, todos ficaram calados e ele, porque parte de todos,
entrou na sala, sentou-se entre eles e ficou calado também.
a partir de determinado momento, longo o silêncio e o incómodo,
alguns levantaram-se e, sem dizerem qualquer palavra,
abandonaram a sala e foram passear para o jardim,
seguindo os contornos da topiaria amanhada com cuidado.
havia felicidade naquele caminho entre as cores, dizia-se.
à medida que tais alguns se afastaram, os seus passos ressoaram
sobre o soalho, antes de, por dissipação, apagar-se o respectivo som.
provocadas as folgas da madeira, o sobrado pisado também rangeu.
estes ruídos, nítidos, talvez nítidos em demasia, cortaram o silêncio
que havia na casa. então, dentro da sala, alguém começou a assobiar.
e, sem pressa, através do vidro, ficou a observar a torre imponente,
que, pelo tempo e pelo coro calado das vozes daquela casa,
a família haveria de falir.