a senda do avesso
não estou a pensar, não posso pensar. também
não sei as minhas mãos, perdi-lhes o controlo
e o consolo. não é a derrota ainda, é o seu prenúncio
apenas, a sua antecipação.
um dia habituamo-nos a procurar atrás
das coisas e, se têm paradeiro desconhecido,
é aí que as vamos procurar, insistindo
na sua sombra. a habituação à perda
necessita desta manobra. é um acto fácil,
para o desperdício. não é distante do corpo,
não lhe é estranho. aliás, quando aí se habita,
o silêncio transforma-se em lugar, um lugar
como o passado sobre o qual escreveu
l. p. hartley, the past is a foreign country:
they do things differently there. e depois?,
sim, depois, que fazer?, esta é a pergunta.
regresso. a embriaguez que me embala não é
um barco. também não é inveja. eles são novos,
com o corpo permanentemente acordado. é o seu
primeiro amor, cada dia é seguro, sentem-no.
mas um dia, próximo, habituar-se-ão a procurar
atrás das coisas, a espreitar onde estão as sombras,
as mesmas que agora já consigo ver. s. d’o.