atelier de insânia
não sei que edifício era aquele. recordo corpos vagos,
sem silhueta nítida, encontrados consigo, provavelmente
já em fase de ressaca acesa. recordo o corredor,
todas as portas abertas, excepto uma, o segredo.
havia também uma escada de pedra, alguém deitado
sobre um dos seus degraus mais largos.
que disse a memória desrespeita-me e chorou.
que disse há um vazio naquela sombra e apontou.
que disse dói-me e ninguém cuidou.
recordo que ocasionalmente a mesma voz variou o tema
e disse sou também um guia de círculos.
recordo mais corpos vagos, a saírem da porta
que, antes, vi fechada. recordo o cheiro do sal.
recordo o sabor do limão. recordo a insistência
dói-me, dói-me, dói-me, gritada, e, entre os outros,
eu também, ninguém capaz de se comover.
chegou o momento em que fechei os olhos.
recordo que comecei a duvidar de mim e
a satisfazer-me com essa dúvida, como se compelido
por uma necessidade de, ao contrário, decompor
até à composição a minha presença ali. nenhum encanto.
nem sonho nem vontade. ausência?, talvez.
já não havia gelo. gin também não.
a falência surgiu condição. corpo falido.
alcancei a escada e subia-a, para sair dali.
senti pisar uma sucessão de céus.
senti pisar uma mão perdida no chão.
foi a última vez que ouvi dói-me.
quando saí, saí calado. mas com o mesmo destino.
regressar. s. d’o.